quinta-feira, 18 de junho de 2015

Ensaio Sobre a Cegueira - José Saramago



Um homem fica cego, inexplicavelmente, quando se encontra no seu carro no meio do trânsito. A cegueira alastra como «um rastilho de pólvora». Uma cegueira coletiva. Romance contundente. Saramago a ver mais longe. Personagens sem nome. Um mundo com as contradições da espécie humana. Não se situa em nenhum tempo específico. É um tempo que pode ser ontem, hoje ou amanhã. As ideias a virem ao de cima, sempre na escrita de Saramago. A alegoria. O poder da palavra a abrir os olhos, face ao risco de uma situação terminal generalizada. A arte da escrita ao serviço da preocupação cívica.



“O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui.”

Pelo menos todos aqueles que já tiveram Português de 12º ano conhecem o dilema de ler ou não ler o "Memorial do Convento". Eu bem tentei, mas não consegui ganhar interesse pelo livro, principalmente depois de me terem contado a história toda. Mesmo assim, fiquei curiosa com a escrita de Saramago - sarcástico e com uma prosa diferente, mas sem deixar de ser agradável, deixou-me com vontade de ler outra obra dele. Ganhei este livro num concurso, por isso nem precisei de gastar dinheiro ou paciência (para requisitar) para ler o livro. Não sabia se ia gostar, mas a sinopse deixou-me tão interessada quanto a escrita do autor. Por isso lá me aventurei assim que as aulas acabaram. 

E não é que acabei por ler tanto deste livro em 4 ou 5 dias deste como li do Memorial? Pois, é verdade. Não me orgulho de não ler os livros de "leitura obrigatória", contudo quem prepara o programa da disciplina também não ajuda (e o facto de ficção histórica não me dizer muito também não ajudou).

Não é um livro com muita acção - talvez seja mais "lento" do que a do Memorial -, havendo o foco nas acções das pessoas e não tanto numa continuidade de momentos problemáticos como vemos em muitos livros. O problema central é o "mal-branco" e a partir daí vemos, como se fossem ratos num laboratório, o comportamento da sociedade, das pessoas e das personagens sem nome que acompanhamos desde o início. Ao longo de todo o livro existem várias peculiaridades - expressões idiomáticas e provérbios modificados, personagens sem nome e sem descrição física para além da idade, existir apenas uma pessoa que vê, crítica e mais crítica à sociedade, etc - que fazem desta obra algo único. Já para não falar do retratar cru, duro, chocante e muito credível de uma sociedade cega, de um governo desorganizado, de uma "comunidade" de cegos que fazem de tudo para sobreviver.

Desta vez posso mesmo dizer que nunca li algo assim. Uma coisa é certa: acho que toda a gente devia ler este livro (de preferência mais tarde, do que mais cedo, pois há cenas no livro que não são fáceis de digerir - no pun intended), mais que não seja para ver aquilo em que nos podemos tornar.

Não tinha a certeza se queria ler o Ano da Morte de Ricardo Reis, mas agora sei que tenho de ler esse livro não só porque Saramago é um excelente escritor - sem dúvida merecedor do prémio nobel -, mas também porque gosto bastante de Ricardo Reis e ainda mais de Fernando Pessoa.

“Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”

My Rating: 9/10

2 comentários:

  1. "Pelo menos todos aqueles que já tiveram Português de 12º ano conhecem o dilema de ler ou não ler o "Memorial do Convento"." Amen!
    Está na tbr list... top 30 agr xD

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, se tivessem escolhido este livro já não tínhamos esse problema :b
      Fazes bem!

      Eliminar